Capítulo 1 Introdução
O Observatório do Mercado de Capitais é uma iniciativa da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), visando compreender de forma empírica as decisões administrativas sobre o mercado de capitais. A 1ª Fase do Observatório do Mercado de Capitais estudou os Processos Administrativos Sancionadores (PAS) julgados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e os Termos de Compromisso (TC) celebrados pelas partes envolvidas. Na 2ª Fase deste projeto, iremos analisar os recursos aos julgamentos da CVM. Esses recursos são interpostos em outro órgão julgador, o Conselho de Recursos Fiscais do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), também conhecido como o “Conselinho”. O CRSFN é competente para julgar processos originários tanto da CVM, como do Banco do Brasil. Mas, neste projeto, iremos focar apenas nos recursos que chegam ao Conselinho originários da CVM.
O CRSFN foi criado pelo Decreto nº 91.152/1985. Antes da criação deste órgão julgador, o contencioso administrativo do sistema financeiro nacional era julgado, em segunda instância, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O problema em se ter o CMN julgando os recursos do sistema financeiro era que a sua “finalidade precípua era e é totalmente diversas, já que a ele compete formular a política de moeda e crédito, objetivando o progresso econômico e social do País” (Covas e Cardinalli, 2008, p. 44). O julgamento de recursos era atividade secundária. Com o fito, então, de se aprimorar o contencioso administrativo do sistema financeiro nacional é que o órgão formulador da política de moeda e de crédito, o CMN, foi separado, funcionalmente, do órgão julgador de recursos desse sistema, criando, assim, o CRSFN.
Atualmente, a estrutura do CRSFN conta com 8 conselheiros, com composição paritária, o que significa dizer que 4 conselheiros são membros do setor público e os outros 4, do setor privado. Além dos 8 conselheiros titulares, existem 8 conselheiros suplentes. Os membros do setor público são indicados da seguinte maneira: dois membros são indicados Ministério da Economia, um membro indicado pelo Banco Central e outro membro, pela CVM. Já os membros do setor privado possuem a seguinte estrutura de indicação: A Abrasca indica um membro, e a Ibracon indica o seu suplente; a Anbima indica outro membro titular, e a ABAC, o seu suplente; a Ancordi indica um membro titular, e a Amec, o seu suplente; e por fim a Febraban indica o último membro titular, e a OCB, o seu suplente. Os mandatos de todos os conselheiros, sejam eles titulares ou suplentes, representantes do setor público ou privado, são de 3 anos, com um máximo de 2 reconduções.
Quanto aos processos que o CRSFN julga que importam para este projeto existem apenas os recursos de decisões da CVM. Só existe essa continuidade entre a CVM e o CRSFN caso a acusação da CVM tenha acabado com um PAS. Processos que se encerraram por celebração de um TC não são passíveis de terem recursos.
Existem dois tipos de recursos possíveis: recursos voluntários e recursos de ofício. Os recursos voluntários são interpostos pelas partes acusadas, e eles ocorrem quando ocorre a aplicação da penalidade em primeira instância, isto é, quando a CVM condena a parte acusada. Já o recurso de ofício é um recurso interposto, de forma automática, pela própria CVM. Ele é possível em duas situações distintas. A primeira, mais comum, é aquela em que o acusado é absolvido na CVM, o que enseja um recurso que busca a condenação do acusado. A segunda situação, menos frequente, acontece quando a CVM condena o acusado, mas aplica uma penalidade inferior àquela proposta pela comissão de inquérito.
O recurso de ofício gera um estranhamento. Quem julga os processos na primeira instância é a CVM; na segunda instância, isto é, no CRSFN, a CVM se torna parte. No caso de recurso voluntário, ela é a recorrida; já no caso do recurso de ofício, ela é a recorrente. Então, no caso do recurso de ofício, a própria CVM tinha que recorrer de sua própria decisão em que ela mesma decidiu absolver, a fim de que a sua própria decisão de absolvição fosse revertida em uma condenação. Em razão dessa contradição, encontrávamos no CRSFN uma taxa de manutenção das decisões de primeira instância maior que 95%, conforme o relatório de atividades do CRSFN de 2014. Isso ensejou uma mudança no regimento interno, acabando com esse recurso. O artigo 51 deste novo regimento, datado de 29 de fevereiro de 2016 trouxe a seguinte disposição: “Os recursos de ofício das decisões proferidas até 27 de fevereiro de 2016 deverão ser julgados pelo CRSFN, com observância dos prazos e procedimentos previstos neste Regimento Interno.”. Conforme explica Francisco Satiro, “isso quer dizer duas coisas: (i) o CRSFN não tem intenção de analisar e julgar processos que tenham sido arquivados em primeira instância administrativa; (ii) mas o estoque remanescente ainda está pendente de julgamento sim.” Satiro, 2016
Por causa da estrutura dos julgamentos na CVM, acaba acontecendo uma peculiaridade nos julgamentos do CRSFN, que são processos que culminam os dois tipos de recursos, que aparentemente são contraditórios entre si (ou o acusado é absolvido, ou ele é condenado). Acontece que em muitos processos na CVM existem múltiplos acusados e, para cada parte, é realizado um julgamento individualizado, de forma que um único acórdão da CVM pode condenar uma das partes e absolver as demais. Dessa forma, torna-se possível a presença simultânea de um recurso de ofício e um recurso voluntário no mesmo processo que chega ao CRSFN.
Uma vez que o recurso é interposto, ao contrário do que ocorre nos tribunais jurisdicionais, ele não é automaticamente distribuído. As distribuições dos processos acontecem nas sessão de julgamento, que ocorrem uma vez por mês. No início das sessões, antes de começar a julgar os processos, o processo é designado a um conselheiro, que se tornará o relator. É neste momento em que ocorre a distribuição.
Depois da distribuição, o relator escreve o relatório do processo. Uma vez finalizado o relatório, o processo é colocado em pauta, para ser julgado na próxima sessão de julgamento. Não necessariamente o processo é julgado nessa sessão, pois pode não dar tempo para tanto.
Na sessão de julgamento, o relator dá o seu voto e os demais conselheiros podem ou seguir o voto do relator, ou discordar dele. Em qualquer caso, eles podem decidir se querem declarar o seu voto ou não. Uma vez que o voto é proferido, o processo retorna à primeira instância, para que o julgamento lá se adeque ao recurso.
Dadas as informações preliminares dadas sobre o processo no CRSFN, passemos aos objetivos e perguntas norteadoras da pesquisa.
1.1 Objetivos e questões norteadoras
A 2ª Fase do Observatório do Mercado de Capitais é dedicada à análise dos Processos Administrativos Sancionadores (PAS) do CRSFN, mas com um objetivo muito específico: verificar as continuidades ou descontinuidades em relação à CVM.
A pesquisa utilizou como base o conjunto de questões norteadoras abaixo. As questões são guias que orientam a coleta de dados, ou seja, elas não são explicitamente incluídas no formulário de pesquisa, já que algumas delas demandam o cruzamento de várias informações distintas. As perguntas do formulário são os insumos dos cruzamentos que responderão a essas perguntas.
- Qual é a taxa de recorribilidade para o Conselhinho?
- Qual a recorrência de decisões unânimes ou por maioria na CVM?
- Qual é a taxa de provimento dos recursos?
- Quando há provimento do recurso, a reforma é total ou parcial?
- Nos casos com reforma total, qual foi a força motora que mudou o convencimento
- Qual a taxa de casos com voto de minerva do presidente?
- Qual é o tempo médio de tramitação dos processos no CRSFN?
- Quem são as partes que recorrem? Que infrações elas cometeram?
- Será que o entendimento mudou ao longo do tempo?
- O pedido de revisão de decisão é efetivo?
1.2 Organização do trabalho
O relatório foi organizado em dois capítulos, além desta introdução. No Capítulo 2, apresentamos as decisões metodológicas, procedimento de coleta e organização dos dados do CRSFN. No Capítulo 3, apresentamos os principais resultados da pesquisa, organizados de acordo com as questões norteadoras.
Este relatório é o primeiro documento que formaliza os achados da 2ª fase da pesquisa realizada. Ele faz parte de um projeto maior, criado com o objetivo de trazer dados atualizados sobre o tema, através de um dashboard interativo de análise, relatório e dados dos processos atualizados periodicamente.