2.4 Estudo 2: Especialização de varas empresariais
2.4.1 Contextualização
Apesar do município de São Paulo ser o maior polo empresarial do Brasil, a comarca de São Paulo não possuía varas especializadas nessa matéria.
Por outro lado, o provimento nº 82/2011 do TJSP define critérios para criação de varas:
- Uma vara só pode ser criada se o volume de trabalho esperado for maior do que 1.800 processos/ano.
- A análise deve levar em conta a complexidade dos feitos.
Em levantamentos anteriores, foram observadas menos de 1.800 distribuições de processos em um ano e, portanto, não seria possível justificar a criação dessas varas.
No entanto, é sabido que processos empresariais, em média, são mais complexos que processos cíveis. Por isso, faria sentido criar varas empresariais, ainda que a meta quantitativa não fosse atingida.
Como verificar essa hipótese? Nesse estudo, buscamos formas de comparar a complexidade processos cíveis e empresariais.
2.4.2 Desafio adicional: cifra oculta
Em estudos jurimétricos, até mesmo a pergunta “quantos processos empresariais são distribuídos por ano na comarca de São Paulo?” é complicada. Os registros são imprecisos e a classificação proposta pelo CNJ não é bem utilizada.
Atualmente, a forma mais direta de identificar tipos de processos judiciais é utilizando os chamados assuntos processuais. Os assuntos relacionam-se com as matérias discutidas em cada caso. Por exemplo, um caso cível de indenização por dano moral poderia ter um assunto “Indenização por dano moral”, enquanto um processo falimentar de uma empresa em Recuperação Judicial poderia ser classificado como “Convocação de Recuperação Judicial em Falência”.
Nesse contexto, um importante passo foi dado com a Resolução 46/2007 do CNJ1, que criou as TPUs. As TPUs são uma documentação oficial de todas as classes, assuntos e movimentações dos processos. As TPUs foram implantadas em todas as Justiças, o que facilita a realização de análises que comparam diferentes tribunais.
A Figura ?? mostra uma parte das TPUs do CNJ. As TPUs são estruturadas em formato de árvore. Isso significa que temos assuntos genéricos e assuntos específicos, sendo que o assunto específico é um filho do assunto genérico. As TPUs podem ter até seis níveis hierárquicos de assuntos.
O problema enfrentado atualmente é que, na prática, nem sempre os processos são classificados com assuntos específicos. Assim, podemos ter um caso que discute sobre “Análise de Crédito” classificado como “Responsabilidade do Fornecedor”, ou ainda “Direito do Consumidor”.
A existência de casos classificados com assuntos genéricos implica num problema para o levantamento do volume processual por assunto. Por exemplo, considere que há interesse em conhecer o volume de processos envolvendo “Análise de Crédito”. Se considerarmos somente os casos classificados corretamente, estaríamos subestimando o real volume de processos, pois estaríamos ignorando os casos classificados em assuntos genéricos. Por outro lado, se considerarmos no levantamento todos os casos, incluindo os genéricos, estaríamos superestimanto o real volume.
A possibilidade de subestimação do volume real de processos de um certo tipo configura o que chamamos de cifra oculta. Dado um assunto específico, esse número pode ser definido como a quantidade de processos com esse assunto, mas classificados em assuntos genéricos.
Felizmente, a cifra oculta pode ser estimada. Para isso, no entanto, é necessário fazer algumas suposições ou utilizar conhecimentos a priori sobre os processos.
A forma mais simples de estimar a cifra oculta é realizando uma espécie de regra de três. No exemplo da análise de crédito, considere que temos uma base de dados com todos os casos classificados com assuntos dentro da árvore do “Direito do Consumidor”. Suponha também que todos os processos de análise de crédito foram classificados ou corretamente, ou incorretamente como “Direito do Consumidor”. Utilizando somente a parte da base que foi classificada com assuntos específicos, estimamos a proporção de casos \(p\) classificados como “Análise de Crédito”. Assim, uma estimativa do volume de processos de análise de crédito é dada por
\[ N_{\text{cred}}=N_A+N_T\times p, \text{onde} \]
- \(N_A\) é o volume de casos classificados corretamente como “Análise de Crédito”.
- \(N_T\) é o volume total de casos classificados como “Direito do Consumidor”.
- \(N_T\times p\) é a estimativa da cifra oculta.
Na nossa aplicação, isso foi feito estimando-se a probabilidade de um assunto genérico tratar da matéria empresarial, usando-se uma rede bayesiana. Para esse cálculo, utilizamos a parcela da base de dados que foi classificada corretamente e calculamos a proporção de processos empresariais para cada assunto. A cifra oculta é estimada somando-se as probabilidades obtidas.
Nossos dados originais são:
- No Foro Central Cível foram distribuídos 675 processos empresariais por ano.
- Nos demais Foros foram distribuídos 450 processos por ano.
- Total: 1.125 processos/ano.
Aplicando as correções, temos:
- No Foro Central Cível foram distribuídos 961 processos empresariais/ano.
- Nos demais Foros foram distribuídos 641 processos empresariais/ano.
- Total: 1.602 processos/ano.
2.4.3 Voltando à complexidade
Agora vamos fazer comparações. O processo demora mais tempo como um todo?
\[ \text{Complexidade} = \text{Tempo entre distribuicao e sentenca} \]
- O processo custa mais tempo aos magistrados?
\[ \text{Complexidade} = \text{Tempo entre conclusos e decisoes} \]
Nas duas métricas, processos empresariais são mais complexos. Comparando casos de dificuldade moderada, processos empresariais custam o dobro de tempo para magistrados e 30% a mais de tempo na tramitação total.
Aplicando os critérios propostos, a carga de trabalho proporcionada pelos processos empresariais corresponde a - 2.082 processos comuns, considerando o custo em tramitação; - 3.349 processos comuns, considerando o tempo gasto pelos magistrados.
http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_46.pdf. Acesso em 26/06/2017.↩